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Paternidade automática pode entrar em vigor no Brasil. Caberá ao homem provar que não é o pai

Publicado 11/08/2025 às 09:39


A proposta de atualização do Código Civil, atualmente em tramitação no Senado, pretende modificar o processo de reconhecimento da paternidade no Brasil. Pela nova regra, a mãe poderá indicar o nome do pai no Cartório de Registro Civil, que irá notificá-lo. Caso ele não compareça ou se recuse a se submeter ao exame de DNA, a lei passará a presumir a paternidade. Diferentemente do que ocorre hoje, o processo será automático, sem ação judicial, com o objetivo de desburocratizar o reconhecimento e dar mais agilidade.

No modelo atual é a mulher quem precisa provar quem é o pai da criança no momento do registro. Quando ocorre a indicação no cartório e não há o reconhecimento espontâneo, o juiz é informado para que o pai seja notificado e providencie o registro em 30 dias. Se não for viabilizado no prazo, o Ministério Público é acionado para que se inicie uma ação de investigação de paternidade.

O trâmite todo costuma ser lento: um exame de DNA em um laboratório público pode demorar até dois anos, de acordo com advogados. O resultado é que em 2024 mais de 91 mil crianças foram registradas sem o nome do pai no Brasil, segundo dados do Portal da Transparência. Em 2023, o número foi ainda maior: foram emitidas mais de 110 mil certidões de nascimento sem o nome do pai. Cerca de 6% das crianças nascidas no Estado de São Paulo não possuem o nome do pai na certidão, de acordo a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).

Chegamos à conclusão de que há um número muito grande no Brasil de registros em que não consta a paternidade, destoando até dos demais países. Isso decorre de uma série de fatores, mas principalmente pela burocracia do reconhecimento da paternidade, porque pela regra atual a prova incumbe toda à parte mais fraca, que é justamente quem pleiteia este reconhecimento”, diz o ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Ele presidiu a Comissão de Juristas para a Revisão e Atualização do Código Civil, composta por representantes de diferentes áreas do Direito e que tramitou por oito meses no Senado, ouvindo a sociedade civil em audiências públicas.

Com a certidão de nascimento da criança, a Defensoria Pública já pode, por exemplo, ser acionada para ingressar com as ações de pensão alimentícia e regime de convivência. Para a jurista Maria Berenice Dias, que integrou a comissão de revisão do Código Civil, o que pode provar que o indicado pela mulher não é o pai da criança é o exame de DNA. “Se ele está negando a fazer, está abrindo mão de provar um fato que impede o direito do autor, então simplesmente o registro é feito. Isso dá uma abreviada de anos, eu não vejo outra saída”, afirma, ao lembrar que este é o modelo em vigor em países como Angola, Peru e Chile.

Primeira mulher a ingressar na magistratura do Rio Grande do Sul e vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Maria Berenice diz que a nova regra, além de garantir a crianças e adolescentes o direito à própria identidade ao ter o nome do pai na certidão, ainda vai ajudar a desjudicializar os processos de reconhecimento de paternidade. “É absolutamente desnecessária essa passagem pelo Judiciário. E esta é uma das tônicas da modernidade: enxugar do juiz essas atividades em que ele não tem de decidir nada.”

A expectativa do ministro Salomão é de que a proposta seja analisada no Senado até o fim do ano, para que depois siga para votação na Câmara dos Deputados. “É um projeto que realmente tem de ser debatido, a sociedade tem de ser ouvida pelos seus representantes. Nós já fizemos inúmeras audiências públicas, mas agora o jogo começa para valer no campo do parlamento.”

Para o defensor público Felipe Balduino Romariz, assessor cível da Defensoria Pública Geral, a mudança no Código Civil vai evitar que a mãe precise mover uma ação judicial, tornando o processo mais rápido e acessível. “É uma proposta que busca facilitar a vida de muitas famílias, mas que também precisa ser pensada com cuidado, para garantir que o direito de defesa seja respeitado. A Defensoria Pública pode ter um papel importante nisso, orientando as partes e ajudando a garantir que tudo seja feito com observância dos direitos fundamentais dos envolvidos”, afirma.

A Defensoria oferece apoio jurídico às mães em busca do reconhecimento da paternidade de seus filhos. Além disso, promove mutirões nacionais anuais – “Meu pai tem nome”. A iniciativa deste ano em São Paulo será realizada no dia 16 e já possui quase 2 mil inscritos – quatro vezes mais do que o número do ano passado.

Felipe Russomanno, sócio da área de Família e Sucessões do Cescon Barrieu, acredita que a mudança será positiva, mas tem ressalvas. Para o advogado, corre-se o risco de haver falsas indicações de paternidade. “Hoje a gente tem luta para a criança ‘ganhar um pai’. Com essa inversão, que primou pela celeridade, a gente tem o risco de ter um caminho inverso, que é a desconstituição com as ações negatórias de paternidade. Talvez o risco seja mais traumático, porque a pessoa ao invés de, ‘ganhar o pai’, ela ‘perde o pai’, se for reconhecido que esse vínculo foi constituído com base numa declaração falsa.”

No entanto, quando for constatado abuso ou má-fé, cabem outras ações judiciais e pedidos de indenização. Salomão considera que este será um cenário atípico e “outros países já adotam muito bem” o mecanismo proposto. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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